Uma nova pesquisa sugere que a saudade, apesar de ser considerada uma emoção melancólica, pode desempenhar um papel positivo no tratamento da depressão. O estudo, liderado por um neurocientista brasileiro e publicado na revista Frontiers in Psychology em janeiro, indica que transformar sentimentos negativos em saudade pode ser uma alternativa terapêutica para aliviar sintomas depressivos, como autocrítica e tristeza intensa.
O impacto da saudade na saúde mental
A pesquisa contou com a participação de 39 voluntários sem diagnóstico de transtornos mentais, mas que apresentavam altos níveis de autocrítica e tristeza, conforme medido pelo Inventário de Depressão de Beck. O objetivo do estudo era avaliar se a saudade poderia atuar como um mecanismo de ressignificação emocional e promover bem-estar.
Segundo o neurologista Jorge, líder do estudo e idealizador da iniciativa Ciência Pioneira, a autocrítica excessiva está diretamente relacionada à vulnerabilidade à depressão, uma vez que aumenta a tendência das pessoas a se culpabilizarem por fracassos. “Nosso estudo buscou entender se a saudade poderia servir como um recurso terapêutico para essas pessoas, já que esse sentimento envolve uma conexão emocional com memórias significativas”, explica.
Como a pesquisa foi conduzida
Os participantes foram instruídos a criar um vídeo de 10 minutos contendo imagens, vídeos e músicas que evocassem primeiramente sentimentos de autocrítica, depois tristeza e, por fim, saudade. Durante uma semana, eles assistiram ao material diariamente e refletiram sobre as emoções despertadas.
Ao final do experimento, os participantes apresentaram uma redução nos escores do inventário de depressão, passando de uma média de 11,8 pontos para 9,6 pontos. No teste, pontuações acima de 10 indicam depressão leve, enquanto valores superiores a 30 sinalizam depressão severa. A queda nos números sugere um efeito positivo da saudade na regulação emocional.
Saudade como ferramenta terapêutica
Para a psicóloga Lígia, que não esteve envolvida no estudo, o sentimento de saudade pode, de fato, atuar como um facilitador no processo terapêutico. “Embora a falta de algo ou alguém muitas vezes esteja associada à dor, também pode ser um recurso para revisitar memórias positivas e ressignificar experiências. Esse exercício pode ajudar na aceitação e no crescimento emocional”, comenta.
Além disso, ela destaca que práticas complementares, como atividade física e meditação, podem potencializar os benefícios desse tipo de intervenção.
Desafios e perspectivas futuras
Apesar dos resultados promissores, os pesquisadores alertam para algumas limitações do estudo. A amostra foi pequena e majoritariamente composta por mulheres, o que impede uma generalização mais ampla dos achados. Além disso, o estudo não foi estruturado para estabelecer uma relação de causa e efeito entre a intervenção e a redução dos sintomas depressivos.
Para aprofundar a investigação, os cientistas planejam realizar ensaios clínicos randomizados com pacientes diagnosticados com depressão. Caso os resultados sejam confirmados, a técnica poderá se tornar um recurso adicional no tratamento de transtornos emocionais, ajudando pacientes a lidar melhor com suas emoções por meio da saudade.
