A chegada da Geração Z ao mercado de trabalho está gerando um sinal de alerta entre especialistas em saúde mental. Nascidos entre meados dos anos 1990 e o início dos anos 2010, esses jovens, nativos digitais e acostumados com discursos sobre inclusão, propósito e inovação, estão encontrando um mercado com estruturas rígidas, processos automatizados e um ritmo cada vez mais acelerado — uma combinação que tem gerado impactos sérios no bem-estar emocional dessa nova força de trabalho.
Segundo dados do Ministério da Previdência Social, em 2024, o Brasil registrou um recorde de mais de 472 mil afastamentos por questões psicológicas — um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Embora esses números incluam todas as faixas etárias, especialistas apontam que uma parcela significativa corresponde a jovens da Geração Z.
Um mercado que não acompanha as expectativas
A entrada no mundo profissional sempre foi um desafio para os mais jovens. No entanto, para a Geração Z, o cenário se agrava com a disrupção tecnológica. Funções antes ocupadas por estagiários e analistas juniores agora são substituídas por algoritmos e sistemas de IA. Isso cria uma barreira de entrada justamente para quem está em busca da primeira experiência profissional.
Além disso, os próprios processos seletivos se tornaram mais frios. Plataformas de recrutamento automatizado, como a Gupy, são frequentemente criticadas por eliminar currículos sem transparência ou critério humano — o que, para uma geração acostumada a interações digitais imediatas e feedbacks constantes, aprofunda a sensação de frustração e invisibilidade.
O choque entre o que se sonha e o que se encontra
A Geração Z cresceu ouvindo sobre a importância de propósito, inovação e diversidade. Mas o ambiente corporativo tradicional ainda valoriza hierarquia, senioridade e longos tempos de espera por promoções. Essa desconexão entre expectativa e realidade tem contribuído para o aumento de quadros de ansiedade, burnout e até síndrome do impostor.
Para muitos jovens, o trabalho remoto pós-pandemia agravou a situação. A ausência de mentorias presenciais e conexões mais humanas prejudicou o desenvolvimento de habilidades emocionais importantes — como resiliência, empatia e gestão de conflitos. Ao mesmo tempo, a instabilidade econômica, a pressão social e a dificuldade de alcançar autonomia financeira colocam uma carga extra sobre esses profissionais.
Novas regras, novas práticas
Diante do crescimento dos casos de adoecimento mental, empresas e governos começam a se movimentar. No Brasil, a Norma Regulamentadora NR-1 passará a exigir, a partir de maio de 2025, que empregadores identifiquem e previnam riscos psicossociais no ambiente de trabalho. A ideia é responsabilizar legalmente empresas que negligenciem situações como assédio, jornadas abusivas ou ambientes tóxicos — embora ainda haja dúvidas sobre como esses critérios serão aplicados na prática.
Algumas organizações têm apostado em iniciativas inovadoras para enfrentar o problema:
- Squads intergeracionais: grupos colaborativos misturam diferentes idades e perfis, buscando equilibrar inovação com experiência;
- Presença estratégica: empresas estão inserindo jovens em comitês decisórios para oxigenar ideias e torná-las mais conectadas com os novos tempos;
- Tecnologia a favor do bem-estar: ferramentas baseadas em IA monitoram sinais de estresse e oferecem apoio psicológico, embora haja preocupações com a desumanização do cuidado.
Um paradoxo digital
A mesma tecnologia que elimina empregos pode, quando bem aplicada, ajudar a preservar a saúde mental. Plataformas que oferecem escuta ativa por IA, por exemplo, têm sido bem aceitas por uma geração menos resistente ao uso digital. Mas, segundo especialistas, isso não substitui a necessidade de liderança empática e de ambientes de trabalho com cultura saudável.
No fim das contas, o adoecimento mental da Geração Z não é um problema isolado — é um reflexo de um sistema que ainda não aprendeu a dialogar com suas transformações. A solução passa por políticas públicas, educação emocional e empresas mais preparadas para ouvir e incluir. E mais do que um gesto de cuidado, isso é uma questão de estratégia: afinal, os jovens de hoje são os líderes, consumidores e influenciadores do amanhã.