Uma plataforma digital com mais de 150 registros de documentos, vídeos, áudios e reportagens está lançando luz sobre o que pesquisadores e entidades classificam como condutas criminosas e negacionistas durante a gestão da pandemia de Covid-19 no Brasil. O Acervo da Pandemia, lançado em março deste ano, foi criado pelo Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (Sou Ciência), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico).
Além de preservar a memória coletiva sobre um dos períodos mais trágicos da história recente do país, o acervo poderá ser utilizado como base para ações judiciais de familiares em busca de reparação. Cerca de 712 mil pessoas morreram oficialmente no Brasil em decorrência da Covid-19, e o acervo se propõe a reunir evidências que apontam falhas graves na condução da crise sanitária.
A presidente da Avico, Rosângela Oliveira Silva, afirma que os materiais reúnem dados concretos e de fácil acesso, capazes de fundamentar pedidos de responsabilização judicial. “O acervo fornece uma base sólida de fatos, bem organizados e verificados, à disposição de operadores do Direito, autoridades e parlamentares”, destacou.
Negligência organizada
Segundo os pesquisadores envolvidos, o material foi cuidadosamente coletado e curado por uma equipe multidisciplinar. A análise do grupo descreve o período como parte de um “necrossistema”, conceito que retrata um conjunto de instituições e agentes que, de maneira coordenada, atuaram para exercer controle sobre a vida e a morte da população.
“O que se viu foi um sistema articulado para desinformar, manipular e expor a população ao risco evitável de infecção e morte”, aponta a introdução do acervo. A iniciativa defende que essas ações não foram isoladas, mas sim parte de uma estratégia que instrumentalizou a crise para consolidar discursos negacionistas e desacreditar a ciência.
O material está organizado em 17 eixos temáticos, incluindo “omissões e conivências”, “ética médica”, “tratamento precoce”, “vacinação” e “desinformação”. Parte dos conteúdos ainda está em análise e deve ser incorporada futuramente, ampliando o escopo da plataforma.
Reparação ainda é desafio
Além de sua função memorial e educativa, o Acervo da Pandemia pretende servir como ferramenta para a formulação de políticas públicas em saúde, assistência social e previdência, com base nas falhas documentadas.
“Até hoje, o Brasil não respondeu à altura em termos de reparação. O acervo evita que essa história caia no esquecimento e pode ajudar a pressionar por justiça e reconhecimento”, disse Rosângela Oliveira.
Para a coordenadora do Sou Ciência, Soraya Smaili, ex-reitora da Unifesp, o acervo é também um instrumento de conscientização: “Não se trata apenas de um arquivo. É um testemunho histórico que deve ser utilizado por pesquisadores, jornalistas, parlamentares e qualquer cidadão que deseje compreender os acertos e, principalmente, os erros cometidos”.
Fonte: Agência Brasil