Um novo estudo internacional publicado pela revista científica The Lancet mostra que aumentar os impostos sobre produtos derivados do tabaco pode reduzir significativamente a mortalidade infantil, especialmente em países de baixa e média renda. A pesquisa analisou dados de 94 nações — incluindo o Brasil — e revelou que medidas tributárias mais rígidas podem prevenir centenas de milhares de mortes de crianças com menos de cinco anos.
Segundo os autores, cerca de 200 mil crianças nessa faixa etária morrem todos os anos em decorrência da exposição ao tabaco — seja de forma passiva ou ainda no útero materno. A maioria dessas mortes ocorre em países mais pobres, onde também está concentrada a maior parte dos fumantes do mundo.
“Como os grupos de baixa renda são os mais afetados pelos impactos do tabagismo, entender se as políticas públicas estão alcançando esses segmentos é essencial para reduzir as desigualdades em saúde”, destaca o estudo.
Desigualdade e impacto direto
A pesquisa mostrou que tanto o consumo de cigarros quanto a exposição de crianças à fumaça são mais frequentes entre famílias de menor poder aquisitivo. Apesar de uma leve melhora na tributação entre 2008 e 2020 — passando de 39% para 44% do valor final do produto —, apenas dez dos países analisados atingiram a meta mínima de taxação recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 75%.
Caso todos os países tivessem alcançado esse percentual, mais de 281 mil mortes infantis poderiam ter sido evitadas apenas em 2021, das quais quase 70 mil entre os mais pobres.
Embora as taxas médias de mortalidade infantil tenham caído entre 2008 e 2020, a desigualdade persiste. Entre os países de menor renda, a média era de 47,6 mortes por mil nascidos vivos, quase o dobro da registrada nos países de renda mais alta (24 mortes por mil). A redução também foi mais significativa nos grupos mais ricos: 34,9% contra 33,4% entre os mais pobres.
Situação no Brasil
No Brasil, os dados do estudo confirmam conclusões de pesquisas nacionais. O pesquisador André Szklo, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), afirma que o aumento da tributação sobre o tabaco tem efeito direto na redução do consumo, especialmente entre a população mais vulnerável.
“Quando você eleva o preço do cigarro, atinge principalmente quem tem menor renda e escolaridade — justamente onde estão os maiores índices de tabagismo. Isso não só previne doenças pulmonares e cardiovasculares, mas também reduz complicações durante a gestação e nos primeiros anos de vida da criança”, explica Szklo.
O Brasil, atualmente, já pratica uma alíquota superior à recomendada pela OMS — cerca de 83%. Em 2024, o governo federal reajustou o preço mínimo do maço de cigarro de R$ 5,00 para R$ 6,50 e elevou a alíquota específica do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de R$ 1,50 para R$ 2,25. No entanto, especialistas alertam que os valores ainda estão defasados.
Segundo cálculos da Receita Federal, se os preços tivessem sido corrigidos pela inflação desde o último reajuste, o maço deveria custar ao menos R$ 11,88, com o IPI em R$ 3,45. “O congelamento desses valores desde 2017 fez com que, na prática, o cigarro ficasse mais barato ano após ano. Isso teve um impacto grave, com estagnação na queda do número de fumantes e até aumento do consumo entre adolescentes”, alerta o pesquisador.
Nova tributação seletiva
Com a reforma tributária, o Brasil instituiu um imposto seletivo para produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente — como o cigarro. Para Szklo, a medida será eficaz apenas se a alíquota for corrigida anualmente acima da inflação e do crescimento da renda da população, garantindo que o produto continue caro e menos acessível.
“É fundamental garantir que o novo imposto seja de fato um instrumento para desestimular o consumo. Isso passa por manter um preço mínimo alto e atualizá-lo com frequência, sempre acima da inflação. Só assim vamos conseguir proteger a saúde da população — especialmente das crianças mais vulneráveis”, conclui.
Fonte: Agência Brasil