A esporotricose, micose subcutânea causada por fungos do gênero Sporothrix, está em expansão no Brasil. Com 1.239 casos confirmados em 2023 e mais 945 até junho de 2024, o país enfrenta uma epidemia silenciosa, segundo especialistas da Universidade de São Paulo (USP). O estado do Rio de Janeiro lidera os registros.
A doença, que provoca lesões na pele e pode atingir mucosas e órgãos internos em casos graves, tem como principal vetor o gato doméstico infectado, que transmite o fungo por meio de arranhões ou mordidas. Gatos que circulam pelas ruas são os mais vulneráveis à contaminação.
O fungo Sporothrix brasiliensis se destaca por sua alta resistência a temperaturas corporais humanas e felinas, o que o torna altamente adaptável a mamíferos e favorece sua disseminação. Além disso, a esporotricose pode ser contraída de forma sapronótica, ou seja, por meio do contato com matéria orgânica em decomposição, como espinhos ou palha contaminada.
Clima e urbanização agravam a situação
A mudança climática é uma das principais razões para o avanço da doença. Segundo especialistas, fungos adaptam-se mais facilmente a temperaturas elevadas, tornando-se mais resistentes e aumentando o risco de infecção em humanos e animais. O crescimento urbano desordenado e o desmatamento contribuem ainda mais, ao deslocar esses agentes infecciosos de seus habitats naturais para áreas urbanas.
“O fungo encontrou no Brasil o ambiente ideal: clima quente e úmido, muitos gatos nas ruas e até então um sistema de saúde despreparado para lidar com a doença”, explica o médico veterinário Carlos Aguiar, da USP.
Falta de notificação contribuiu para subnotificação
Somente a partir de 30 de janeiro de 2024 a notificação da esporotricose humana se tornou obrigatória no país, por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Antes disso, a falta de dados dificultava o controle da doença.
Com isso, a real extensão da epidemia ainda é desconhecida. “Não sabemos realmente o panorama da doença. Pode haver surtos localizados que permanecem invisíveis ao sistema de saúde”, alerta Aguiar.
Tratamento existe, mas é demorado
O tratamento da esporotricose está disponível no SUS, mas pode durar entre três e seis meses, com antifúngicos que ainda são limitados. Não há vacinas para prevenção da doença.
O papel dos gatos e da conscientização
A principal recomendação para tutores de gatos é evitar que os animais saiam de casa, especialmente em áreas com registros da doença. Gatos infectados devem ser diagnosticados precocemente e tratados por veterinários capacitados.
“Quando o gato arranha um humano, abre uma porta de entrada para o fungo. A prevenção depende de medidas simples e de educação sobre os riscos”, reforça Aguiar.
Abordagem integrada de combate
Especialistas defendem a aplicação do conceito de Saúde Única, que considera o equilíbrio entre saúde humana, animal e ambiental. Isso inclui:
- Educação pública para prevenção e reconhecimento da doença
- Formação e mobilização de profissionais veterinários e médicos
- Monitoramento ambiental em áreas de risco
- Campanhas em escolas e comunidades
Para Carlos Aguiar, a obrigatoriedade da notificação é um avanço, mas ainda é preciso investir em políticas públicas integradas e campanhas educativas para impedir que a esporotricose se espalhe ainda mais.