A crescente obsessão com corpos musculosos e definidos nas redes sociais está contribuindo para o surgimento de um comportamento alimentar preocupante entre jovens, especialmente homens. Segundo especialistas, a exposição constante a conteúdos de “inspiração fitness” pode levar ao “comer transtornado orientado para a muscularidade” (Mode, na sigla em inglês) – um tipo de transtorno alimentar caracterizado pelo foco excessivo no ganho de massa muscular magra.
Diferente de transtornos clássicos como a anorexia ou a bulimia, o Mode envolve dietas extremamente restritivas, uso abusivo de suplementos proteicos, controle obsessivo de macronutrientes e monitoramento constante do corpo. Embora pareça, à primeira vista, um estilo de vida saudável, o comportamento pode prejudicar o bem-estar físico, emocional e social dos indivíduos afetados.
O papel das redes sociais e da “fitspiração”
Plataformas como Instagram e TikTok estão repletas de vídeos e imagens que exaltam corpos musculosos e rotinas rígidas de dieta e treino. Muitas vezes, essas publicações são feitas por influenciadores que promovem suplementos, métodos de treino intensivo ou dietas extremamente controladas, alimentando um ideal de corpo difícil de alcançar para a maioria das pessoas.
Esse conteúdo, embora se apresente como motivacional, tem sido associado à insatisfação com a imagem corporal, aumento da fixação muscular e adoção de hábitos alimentares perigosos, como a substituição de refeições por shakes processados e o uso não supervisionado de esteróides anabolizantes.
Comportamentos de risco e dados preocupantes
De acordo com um estudo de 2019, 22% dos homens e 5% das mulheres entre 18 e 20 anos relataram comportamentos compatíveis com o Mode. Estudantes universitários estão entre os mais vulneráveis, devido ao alto uso de redes sociais e ao início da autonomia alimentar.
Entre os fatores de risco associados ao Mode estão:
- Levantamento de peso intenso com foco estético
- Percepção de estar abaixo do peso ideal
- Consumo frequente de álcool (entre homens)
- Depressão e ansiedade (principalmente entre mulheres)
- Uso de esteroides e suplementos alimentares em excesso
O impacto vai além da saúde física: pessoas com Mode relatam culpa ao “falhar” na dieta, isolamento social e prejuízo no desempenho acadêmico e profissional. O comportamento é também associado à ortorexia, uma obsessão patológica por alimentação “limpa” ou “saudável”.
Riscos à saúde e à segurança alimentar
A ingestão excessiva de suplementos pode provocar distúrbios intestinais e metabólicos. Alguns shakes e barras de proteína contêm adoçantes artificiais, espessantes e até metais pesados, como chumbo e alumínio. Além disso, o uso indiscriminado de esteroides anabolizantes pode levar a alterações de humor, disfunção sexual e dependência.
Apesar disso, mais de 80% dos homens universitários americanos relataram uso de whey protein, e mais da metade, uso de creatina. Entre os usuários de esteróides, 82% pertenciam a esse mesmo grupo.
Reconhecimento e prevenção
Especialistas defendem que o Mode deve ser reconhecido como uma preocupação legítima de saúde pública, especialmente em um cenário onde a estética física se sobrepõe ao bem-estar. Academias, escolas, profissionais de saúde e a própria indústria fitness precisam adotar uma abordagem mais consciente e educativa.
É necessário promover uma cultura de exercício e alimentação voltada à saúde, e não apenas à aparência. Isso inclui monitorar os riscos psicológicos, combater os estigmas corporais e responsabilizar influenciadores e marcas que promovem padrões inatingíveis ou produtos potencialmente perigosos.
“Saúde e forma física devem andar lado a lado com o equilíbrio e a informação, não com a culpa e a obsessão”, resume uma das autoras do estudo.