A decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) de proibir terapias hormonais para pessoas transgênero com menos de 18 anos gerou forte reação de entidades médicas especializadas. Em nota conjunta divulgada neste fim de semana, cinco importantes sociedades médicas do país manifestaram preocupação com a nova resolução, afirmando que a medida pode acarretar danos emocionais e psiquiátricos significativos à população jovem trans.
Assinam o documento a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), a Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual (Abemss) e a Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência (Sogia-BR).
As entidades classificam como preocupante a proibição do bloqueio puberal e da terapia hormonal em adolescentes diagnosticados com incongruência de gênero, prática que até então era respaldada por diretrizes internacionais e realizada sob avaliação de equipes multidisciplinares.
“Postergar a terapia hormonal por mais dois anos, sem evidências que o justifiquem, pode acarretar danos emocionais e psiquiátricos”, afirma o comunicado.
Risco de automedicação e agravamento de quadros psíquicos
Um dos principais pontos levantados pelas entidades é o risco de que jovens passem a utilizar hormônios por conta própria, sem qualquer acompanhamento médico — prática que já é comum devido à histórica dificuldade de acesso da população trans aos serviços de saúde.
Segundo os especialistas, a maioria das pessoas trans reconhece sua identidade de gênero ainda na infância ou adolescência, e o acompanhamento clínico adequado nesse momento é fundamental para evitar transtornos psicológicos, exclusão social e adoecimento mental.
“Essas medidas podem acarretar danos significativos à saúde desta população que já vive em condições de vulnerabilidade”, alertam.
As entidades também rebatem o argumento do CFM de que faltam evidências robustas para sustentar os tratamentos. Segundo a nota, estudos recentes indicam baixas taxas de arrependimento e melhora significativa da qualidade de vida de pessoas transgênero que passaram por tratamentos hormonais ou cirurgias de afirmação de gênero.
Impacto na qualidade de vida e desenvolvimento
A terapia hormonal, defendem os especialistas, está associada à redução de quadros de depressão, ansiedade, isolamento social e outros transtornos psíquicos, e deve ser considerada uma ferramenta essencial no cuidado integral de pessoas trans.
Além disso, criticam o trecho da nova resolução que propõe adiar por três anos procedimentos cirúrgicos em pessoas trans maiores de 18 anos, mesmo quando já estão em acompanhamento especializado e apresentam plena capacidade de consentimento.
“O bloqueio puberal, inclusive, é reversível e dá tempo para a consolidação da identidade de gênero”, reforçam, referindo-se ao recurso que interrompe temporariamente o desenvolvimento das características sexuais secundárias.
Diretrizes internacionais
O documento cita que diretrizes internacionais, como as da WPATH (Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero), recomendam que a terapia hormonal possa ser iniciada a partir dos 16 anos, desde que o adolescente tenha capacidade para compreender o tratamento e o consentimento de pais ou responsáveis.
As entidades defendem ainda que a ciência deve continuar avançando:
“É imprescindível permitir que novas pesquisas continuem acontecendo para que a medicina baseada em evidências siga orientando as boas práticas.”
Fonte: Agência Brasil