Uma nova esperança surge para famílias que enfrentam a dolorosa perda de um filho. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, publicada no Diário Oficial da União nesta segunda-feira (26/05). Com a medida, o tratamento e o acolhimento a pais e mães que perdem um filho durante ou após a gestação passarão a ser garantidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que foi um dos autores do Projeto de Lei 1.640/2022 enquanto atuava como deputado federal, expressou sua emoção. “Em 2019, construímos um projeto de lei que foi fruto do diálogo com várias mulheres. Estou muito emocionado porque essa política define o que as maternidades precisam ter para cuidar daquelas mães e pais que perdem os filhos antes ou após o parto”, destacou.
Atualmente, apenas três hospitais no Brasil oferecem este tipo de atendimento especializado: o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), o Hospital Materno de Ribeirão Preto (SP) e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão (MA).
Registro Oficial de Natimortos: Um Reconhecimento Essencial
Outra mudança significativa trazida pela nova lei é a alteração da Lei nº 6.015/1973, de Registros Públicos, que agora permitirá o registro oficial de natimortos. Antes, as certidões eram emitidas apenas com informações técnicas como sexo, data de nascimento, local e filiação. Com a mudança, os filhos poderão ser registrados com os nomes que as mães e os pais planejaram durante a gestação, um passo importante para o reconhecimento da existência e do luto.
O Que Muda Com a Nova Lei?
O texto do PL 1.640/2022 prevê uma série de avanços cruciais para as famílias enlutadas:
- Apoio psicológico especializado: Essencial para auxiliar no processo do luto.
- Exames para investigar a causa do óbito: Auxiliam na compreensão e na prevenção de futuras perdas.
- Acompanhamento de gestações futuras: Oferece suporte e segurança em novas jornadas.
- Espaços reservados às pessoas enlutadas: Criam ambientes de privacidade e respeito.
- Criação de protocolos clínicos e treinamento de equipes: Garante um acolhimento adequado e humanizado.
O ministro Padilha reforça que a aprovação do projeto é a garantia de uma assistência qualificada às gestantes. “Nós sabemos que o luto materno e parental é uma dor silenciosa, mas que grita no coração das famílias. O Ministério da Saúde está do lado dessas pessoas para acolher, respeitar e humanizar essa perda”, frisou.
Esforços do Ministério da Saúde e a Realidade do Luto
Entre 2020 e 2023, o Brasil registrou 172.257 óbitos fetais, sendo a região Sudeste a que mais notificou casos no período, com 40.840 natimortos. Em 2024, dados preliminares do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) já indicam 22.919 óbitos fetais e 19.997 óbitos neonatais (com 28 dias ou menos de vida) no país.
O Ministério da Saúde está trabalhando em conjunto com instituições parceiras e universidades públicas para construir uma proposta de diretrizes para a área de forma participativa. Além disso, o tratamento ao luto tem sido gradualmente inserido em ações da pasta que estão em processo de atualização, reforçando o compromisso de promover um cuidado mais acolhedor, respeitoso e sensível às famílias que enfrentam perdas gestacionais, neonatais ou infantis.
A Importância Fundamental do Tratamento ao Luto Parental
O ambulatório de luto parental do HMIB, que funciona desde 2013, tem como objetivo acolher, avaliar, dar suporte terapêutico e tratar transtornos mentais decorrentes do trauma enfrentado pelas famílias. Com uma média de 50 atendimentos por mês, o serviço é integrado à equipe de Cuidados Paliativos Perinatais e Pediátricos e recebe encaminhamentos das Unidades Básicas de Saúde (UBS).
A médica psiquiatra Maria Marta Freire, responsável pelo ambulatório de luto parental do HMIB, define a assistência prestada na unidade: “O que eu aprendo com essas famílias, nenhum livro ensina. A gente não tem o poder de curar o luto de ninguém. O que a gente faz é dar a mão e caminhar junto.”
Para a médica, a falta de acolhimento adequado aumenta o risco de essas pessoas desenvolverem transtornos mentais graves, como a depressão. “O momento da despedida é muito importante no processo de luto. Às vezes, a mãe não consegue ver o bebê logo após o parto, mas, passado o choque inicial, ela quer ter esse momento. E nem sempre temos um espaço adequado para isso”, explicou.
A conselheira tutelar Elem Andrade, de 45 anos, atendida pelo ambulatório há dois anos, relata ter se sentido amparada e fortalecida pelo grupo. “Sou muito grata a toda a equipe pela melhora que tive, porque naquele primeiro momento você está no fundo de um poço. Então, com a fala, aconselhamento e apoio deles, você começa a enxergar o mundo de outra forma. Hoje eu tenho mais sentimento e amor ao próximo”, reforçou.
De acordo com a médica Maria Marta, o luto perinatal é invisível. “Muitas vezes, essas mulheres escutam frases como ‘Daqui a pouco você engravida de novo’, como se um filho substituísse o outro, mas não substitui”. E complementa: “Quando a gente perde o marido, vira viúva. Quando perde os pais, vira órfão. Mas não existe um nome para quem perde um filho. Porque é o inverso da ordem natural da vida.”
Julenir dos Santos, de 39 anos, moradora de Planaltina (DF), frequenta o ambulatório há seis meses. Encaminhada após a quarta perda de um filho, ela relata que esta é a primeira vez que sentiu sua dor acolhida, especialmente com a alteração na lei de Registros Públicos. “Na minha última perda, eu estava com cinco meses. Já tinha nome para ela, mas na certidão não constava. Agora, com essa mudança, outras mães poderão dar nome à história delas”, celebrou.