O campo da medicina avança em sua compreensão sobre a obesidade, e com ele, as diretrizes para seu diagnóstico e tratamento evoluem. Uma recente atualização nas orientações de especialistas sinaliza uma mudança significativa: a necessidade de olhar para além do tradicional Índice de Massa Corporal (IMC) ao avaliar e definir as estratégias de cuidado para pacientes com obesidade. Essa nova perspectiva busca um tratamento mais eficaz, personalizado e menos focado em um único número.
Por décadas, o IMC – calculado pela divisão do peso (em quilogramas) pela altura ao quadrado (em metros) – tem sido a ferramenta primária para classificar o peso e diagnosticar a obesidade. Embora útil como um indicador de rastreio populacional, seu uso isolado tem sido cada vez mais questionado por suas limitações em refletir a complexidade da composição corporal individual e os riscos metabólicos associados. Uma pessoa com grande massa muscular, por exemplo, pode apresentar um IMC elevado sem ter excesso de gordura corporal prejudicial, enquanto outra com IMC dentro da faixa considerada “normal” pode acumular gordura visceral e apresentar comorbidades.
As novas diretrizes enfatizam que, embora o IMC ainda tenha seu valor como ponto de partida, ele não deve ser o único determinante na avaliação da saúde de um indivíduo com obesidade ou na decisão sobre as intervenções terapêuticas. A proposta é incorporar uma avaliação mais abrangente, que inclua:
- Medidas Adicionais de Composição Corporal: Aferição da circunferência abdominal, que é um indicador importante da gordura visceral (associada a maior risco cardiovascular e metabólico), e, quando disponível, métodos mais precisos para avaliar o percentual de gordura corporal.
- Presença de Comorbidades: A avaliação criteriosa de doenças associadas à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia (colesterol e triglicerídeos alterados), apneia do sono, doenças cardiovasculares, osteoartrite, entre outras. A presença e a gravidade dessas condições tornam-se fatores cruciais na definição da urgência e do tipo de tratamento.
- Impacto na Qualidade de Vida: Considerar como o excesso de peso afeta a funcionalidade, a saúde mental, a disposição e o bem-estar geral do paciente.
- Histórico Clínico e Familiar: Levar em conta a história de peso do paciente, tentativas anteriores de tratamento, histórico familiar de obesidade e doenças relacionadas.
Implicações das Novas Diretrizes no Tratamento
Essa abordagem mais holística pode significar que intervenções mais incisivas, incluindo o uso de medicamentos antiobesidade ou a consideração de cirurgia bariátrica, possam ser recomendadas para pacientes com IMC talvez não tão elevado, mas que apresentem um perfil de alto risco devido a comorbidades graves ou grande acúmulo de gordura visceral. Por outro lado, indivíduos com IMC mais alto, mas metabolicamente saudáveis e sem comorbidades significativas, podem se beneficiar inicialmente de abordagens focadas em mudanças de estilo de vida, com acompanhamento atento.
O objetivo central é personalizar o tratamento, reconhecendo que a obesidade é uma doença crônica, complexa e multifatorial. As novas diretrizes reforçam a importância de uma relação médico-paciente baseada na confiança, com decisões compartilhadas e um plano terapêutico que vá ao encontro das necessidades e da realidade de cada indivíduo.
Essa evolução no entendimento e na abordagem da obesidade representa um passo importante para reduzir o estigma associado à condição e para oferecer cuidados mais justos e eficientes, focados não apenas na perda de peso, mas na melhoria da saúde global e da qualidade de vida dos pacientes. A mensagem é que cada paciente é único, e o tratamento da obesidade deve refletir essa individualidade.