Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) publicaram nesta última segunda-feira (30/06), na revista científica Nature, um artigo com duras críticas à nova norma do Conselho Federal de Medicina (CFM), que proíbe o uso de bloqueadores hormonais e hormonioterapia cruzada em crianças e adolescentes trans. A Resolução CFM nº 2.427/2024, em vigor desde abril, também aumenta para 21 anos a idade mínima para cirurgias de redesignação sexual.
No texto intitulado O retrocesso global do cuidado, da ciência e dos direitos transgêneros, os cientistas classificam a medida como parte de um movimento internacional de supressão dos direitos da população trans e alertam para os impactos negativos da resolução, especialmente sobre a saúde física e mental de jovens em processo de afirmação de gênero.
Críticas da comunidade científica
Assinado por Igor Longobardi, Bruna Caruso Mazzolani, Hamilton Roschel, Bruno Gualano e Alexandre Saadeh — todos ligados à USP — o artigo aponta que a resolução rompe com diretrizes anteriores da própria autarquia e contradiz práticas defendidas por sociedades médicas internacionais. Os autores destacam que a norma anterior, de 2019, permitia o bloqueio da puberdade a partir do estágio Tanner 2, dentro de protocolos clínicos rígidos, e a terapia hormonal cruzada a partir dos 16 anos, em ambiente hospitalar.
Agora, segundo os pesquisadores, essas práticas estão proibidas mesmo em estudos científicos, o que representa, para o grupo, um sério obstáculo à produção de evidências e à assistência médica segura a adolescentes trans. “A medida pode agravar o sofrimento desses jovens e incentivar o uso clandestino de hormônios, sem qualquer tipo de acompanhamento”, alertam.
Reações políticas e jurídicas
A nova resolução também gerou forte reação de entidades médicas, movimentos sociais e do Ministério Público Federal (MPF), que ajuizou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão imediata da norma. No processo, o MPF argumenta que a medida viola os direitos fundamentais à saúde e à identidade de gênero e solicita multa de R$ 3 milhões ao CFM por danos morais coletivos. A ação está sob relatoria do ministro Cristiano Zanin.
Posição do CFM
Em nota oficial, o CFM defende que a resolução foi elaborada com “responsabilidade científica e social”. O relator do texto, Raphael Câmara, justifica a restrição com base na “baixa evidência científica” sobre os efeitos de longo prazo dos tratamentos hormonais em menores de idade.
Impacto social e científico
A polêmica em torno da resolução do CFM insere o Brasil em um contexto global de embates sobre os direitos de pessoas trans. Para os pesquisadores da USP, além de violar princípios de saúde pública, a medida compromete o avanço científico e representa um retrocesso civilizatório. “Trata-se de uma ruptura com os direitos humanos e com o compromisso ético da medicina com o bem-estar dos pacientes”, concluem.