Um novo levantamento do Instituto Oncoguia revela um cenário alarmante na rede pública de saúde: o tratamento do câncer no Sistema Único de Saúde (SUS) está marcado por desigualdade, desatualização e falta de padrões. Muitos hospitais ainda utilizam medicamentos antigos, mesmo havendo alternativas mais modernas, eficazes e já aprovadas pelas autoridades de saúde.
O estudo analisou dados coletados entre setembro de 2023 e janeiro de 2024. Dos 318 hospitais oncológicos habilitados pelo SUS, apenas 95 participaram da pesquisa, e somente 64 enviaram documentos com informações completas. A realidade encontrada: 69% não apresentaram protocolos de tratamento completos para cinco tipos de câncer analisados (mama, pulmão, melanoma, próstata e colorretal). Mesmo entre os quatro tipos mais prevalentes, 61% seguem sem diretrizes completas.
Os protocolos enviados foram comparados com três referências internacionais e nacionais: as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDTs) do Ministério da Saúde, a Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a escala de benefício clínico da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO). O resultado? Um retrato de desorganização e desigualdade no cuidado oncológico brasileiro.
Descompasso entre ciência e prática
Em muitos casos, medicamentos mais eficazes, como imunoterapias e terapias-alvo, estão indisponíveis. No câncer de mama, por exemplo, o medicamento pertuzumabe — já incluso nas diretrizes do SUS — ainda não chega a vários hospitais. Situação parecida ocorre no câncer de próstata, onde remédios modernos como enzalutamida e darolutamida raramente são usados, apesar de recomendados pela comunidade médica.
A defasagem também é crítica no câncer de pulmão. Embora a quimioterapia esteja disponível, terapias-alvo aprovadas desde 2013, como os inibidores de EGFR, estão presentes em apenas 4,7% dos hospitais pesquisados. No caso do melanoma, muitos centros ainda utilizam tratamentos antigos como interferon ou dacarbazina, mesmo com terapias mais avançadas disponíveis desde 2020.
A desigualdade tem CEP
O levantamento expôs também as desigualdades regionais. Enquanto no Sudeste a oferta de terapias modernas é mais ampla, no Nordeste, por exemplo, apenas 28% dos hospitais oferecem medicamentos oncológicos mais atuais. Em alguns estados — como Acre, Mato Grosso e Pernambuco — nenhum hospital respondeu à pesquisa, o que reforça a disparidade no acesso.
Falta de padronização gera improviso
A conclusão do estudo é dura, mas necessária: o SUS ainda não possui um padrão nacional efetivo para o cuidado com o câncer. Cada hospital opera dentro de suas possibilidades, sem protocolos unificados ou atualizados, o que gera improviso e prejudica o tratamento. A ausência de indicadores públicos e a falta de monitoramento agravam ainda mais o problema.
“O tipo de câncer e o lugar onde o paciente mora continuam decidindo quem vive e quem morre”, alerta o Instituto Oncoguia. A organização defende que, para mudar essa realidade, é urgente não apenas atualizar as diretrizes de tratamento, mas também garantir estrutura, financiamento, fiscalização e compromisso político.
Fonte: Metrópoles
*O artigo foi escrito pela psico-oncologista e especialista Luciana Holtz, e pela cientista política Helena Esteves, ambas do Instituto Oncoguia, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.