Em um país onde 9 a cada 10 adultos conectados afirmam que adolescentes estão emocionalmente despreparados para lidar com o universo das redes sociais, a urgência de uma resposta coletiva fica evidente. Essa é a principal conclusão de uma pesquisa inédita conduzida pelo Porto Digital, em parceria com a empresa de estudos de mercado Offerwise.
O levantamento, realizado em abril com mil brasileiros maiores de 18 anos, de todas as regiões e classes sociais, revela um consenso raro: a juventude está sendo deixada à própria sorte em um espaço cada vez mais dominado por algoritmos, exposição e pressão estética.
Um grito por ajuda – e por escuta
Segundo o estudo, 70% dos entrevistados defendem a presença de psicólogos nas escolas como caminho para mudar esse cenário. O pedido é claro: é preciso estruturar redes de acolhimento que ajudem os adolescentes a compreenderem e enfrentarem os efeitos emocionais de uma vida cada vez mais exposta.
Além disso, o bullying, a depressão, a ansiedade e a pressão por padrões estéticos irreais foram citados como os maiores desafios para a saúde mental dos jovens. Situações frequentemente agravadas pelas dinâmicas das redes sociais, onde a comparação é constante e o julgamento, instantâneo.
Quando o algoritmo fala mais alto que os pais
A pesquisa também revela que o controle parental diminui drasticamente com o avanço da idade dos filhos. Enquanto crianças de até 12 anos ainda são monitoradas com alguma frequência, apenas 20% dos pais demonstram intenção de manter ferramentas de controle no futuro.
Entre os adolescentes de 13 a 17 anos, o que se observa é uma autonomia crescente, muitas vezes sem o respaldo emocional necessário para filtrar o que veem ou com quem interagem online.
Para Julio Calil, diretor da Offerwise, o retrato é claro: “Precisamos de espaços de acolhimento e orientação – tanto para os pais quanto para os filhos. A escola é um ponto estratégico para isso”.
Desinformação, ódio e a omissão das plataformas
O cenário se agrava com a recente flexibilização das regras de moderação das big techs. Sem filtros eficazes, cresce a exposição de crianças e adolescentes a discursos de ódio, conteúdos impróprios e desinformação.
O professor Luciano Meira, da Universidade Federal de Pernambuco, alerta: “Essa decisão prioriza interesses comerciais e diminui a responsabilidade social das plataformas. E isso tem impacto direto na saúde mental e na segurança dos nossos jovens”.
Falta de regulação: um buraco jurídico e social
Enquanto o STF julga o Artigo 19 do Marco Civil da Internet – que limita a responsabilização das plataformas digitais – o PL das Fake News, que visa regular esse ecossistema, segue travado na Câmara dos Deputados.
Meira defende uma revisão urgente das regras: “A autorregulação é insuficiente. O lucro das plataformas não pode estar acima da proteção social de crianças, adolescentes e também dos idosos, igualmente vulneráveis”.
A verdadeira rede de apoio precisa começar em casa – e na escola
Mais do que ferramentas de controle, a chave está na construção de confiança e diálogo aberto, defende Meira. “Sem esse vínculo, nenhuma estratégia de monitoramento funcionará. O papel dos pais é guiar, explicar, participar. E isso exige escuta, não imposição.”
Ao defender limites claros de uso da internet, o professor destaca que a conversa precisa ser contínua. “Adolescentes ainda não têm maturidade para perceber riscos – precisam de adultos atentos e conscientes ao lado deles.”
Offline também é necessário
Nos últimos anos, escolas têm começado a reagir. A proibição do uso de celulares em algumas instituições, por exemplo, é um convite à reconstrução de vínculos fora das telas. “Um equilíbrio entre os mundos online e offline é essencial. A gente precisa que nossos jovens existam para além dos algoritmos”, conclui Meira.
Reprodução: Agência Brasil