Um sapo de menos de 2 centímetros, encontrado na Mata Atlântica, pode esconder um dos maiores avanços da medicina cardiovascular dos últimos anos. Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) descobriram que a toxina produzida pelo Brachycephalus ephippium tem potencial terapêutico contra doenças vasculares graves — incluindo a hipertensão e o acidente vascular cerebral (AVC).
O peptídeo isolado, batizado de BPP-BrachyNH₂, demonstrou efeito vasodilatador em testes com animais. O estudo foi publicado no último dia 19 de junho no European Journal of Pharmacology e envolve uma colaboração internacional entre instituições do Brasil, Dinamarca, Portugal e Venezuela.
“Sintetizamos a molécula em laboratório e os resultados foram bastante promissores. É uma substância relativamente simples de reproduzir, o que abre caminho para novos tratamentos cardiovasculares”, afirma o professor José Roberto Leite, da Faculdade de Medicina da UnB, coordenador da pesquisa e cofundador da startup People&Science.
Um sapo minúsculo, uma toxina poderosa
O Brachycephalus ephippium chama atenção não só pelo tamanho reduzido — varia entre 1,25 e 1,97 cm —, mas também pela coloração vibrante, em tons de amarelo ou laranja. Natural das regiões montanhosas da Serra do Mar e da Mantiqueira, o animal possui uma toxina cutânea que, segundo os cientistas, tem ação semelhante a de fármacos já utilizados no controle da pressão arterial.
No estudo mais recente, os pesquisadores investigaram o efeito da substância em artérias mesentéricas de ratos — responsáveis por irrigar os órgãos internos com sangue oxigenado. O composto demonstrou promover relaxamento dos vasos sanguíneos, indicando capacidade vasodilatadora.
A ação ocorre por meio da enzima argininosuccinato sintase (AsS), que participa da produção de óxido nítrico — molécula essencial para a regulação do tônus vascular e da pressão arterial. O peptídeo estimula a reciclagem de L-citrulina e aumenta a disponibilidade de L-arginina, o que intensifica a liberação de óxido nítrico pelo organismo.
“Os novos testes mostraram efeitos protetores também sobre o endotélio, o que amplia ainda mais o potencial do composto na prevenção de eventos isquêmicos como o AVC”, explica Leite.
Um problema global — e silencioso
As doenças cardiovasculares continuam sendo a principal causa de morte no mundo. Só no Brasil, elas matam cerca de 380 mil pessoas todos os anos, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Muitas vezes silenciosas, essas condições evoluem sem sintomas claros, o que dificulta o diagnóstico precoce.
Entre os principais sinais de alerta estão dores no peito e em outras partes do corpo, falta de ar persistente, cansaço extremo, sudorese intensa e inchaços. O infarto, o AVC e a insuficiência cardíaca estão entre os quadros mais comuns e perigosos.
Próximo passo: testes em humanos
Com os bons resultados obtidos em laboratório, a equipe agora se prepara para iniciar os ensaios clínicos com humanos, etapa fundamental para transformar a descoberta em um tratamento aprovado e seguro. No entanto, a continuidade da pesquisa depende de financiamento e apoio institucional.
Além da UnB, participam da pesquisa instituições como a Universidade Federal do Piauí (UFPI), Instituto Federal do Piauí (IFPI), Universidade Estadual do Ceará (UECE), Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, além da Universidade de Aarhus, na Dinamarca.
“Temos uma oportunidade concreta de desenvolver um medicamento inovador, acessível e com aplicação ampla. Agora precisamos unir forças para avançar para os testes clínicos”, conclui o professor.