O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta quarta-feira (12/03) o julgamento que pode reduzir para 18 anos a idade mínima para realização de procedimentos de esterilização voluntária, como laqueadura e vasectomia, no Brasil.
Atualmente, a legislação vigente, sancionada em setembro de 2022, estabelece que esses procedimentos só podem ser realizados por pessoas com 21 anos ou mais, ou que tenham pelo menos dois filhos vivos. Além disso, a capacidade civil plena é um requisito essencial. No entanto, na prática, muitos médicos exigem que os pacientes atendam aos dois critérios simultaneamente.
A ação que está em análise no STF foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que argumenta que a restrição atual viola direitos fundamentais e tratados internacionais assinados pelo Brasil. Para o partido, limitar o acesso à esterilização voluntária desrespeita a autonomia reprodutiva e a liberdade individual, além de contrariar princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e o direito ao planejamento familiar.
O julgamento teve início em novembro de 2024, com os ministros Nunes Marques e Flávio Dino votando pela manutenção das regras atuais. No entanto, o ministro Cristiano Zanin pediu mais tempo para análise do caso, e agora será o primeiro a votar na retomada da sessão.
Debate entre especialistas
O tema divide opiniões entre juristas e profissionais da saúde. Para o advogado Ricardo Calderón, do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), as restrições da lei entram em conflito com a maioridade civil, que é estabelecida aos 18 anos. “O Estado não pode impor barreiras ao direito reprodutivo de um cidadão maior de idade. É preciso respeitar a autonomia individual”, argumenta.
O urologista José Elêrton, membro do Conselho Federal de Medicina (CFM), compartilha dessa visão. “Se um jovem de 18 anos pode votar, dirigir e responder criminalmente por seus atos, ele também deveria ter o direito de decidir sobre sua capacidade reprodutiva”, afirma.
Por outro lado, especialistas em saúde mental alertam para os riscos de decisões prematuras. A psicóloga perinatal Rafaela Schiavo destaca que a maturidade cognitiva plena se consolida após os 18 anos e que a decisão pela esterilização pode ser precipitada. “Aos 21 anos, a pessoa já tem uma visão mais clara de seu planejamento familiar e suas escolhas para o futuro”, pondera.
Já a ginecologista Claudiane Garcia de Arruda reforça a necessidade de aconselhamento especializado antes da decisão. “A esterilização pode trazer arrependimentos no futuro, por isso é essencial que o paciente seja bem informado sobre os impactos da escolha”, diz.
Barreiras além da legislação
Mesmo dentro da legalidade, algumas pessoas encontram dificuldades para realizar a esterilização voluntária. A cabeleireira Fernanda (nome fictício), de 28 anos, relata que tentou passar pelo procedimento no Sistema Único de Saúde (SUS), mas enfrentou resistência.
“Passei por todas as etapas iniciais, mas a psicóloga insistia que eu era muito jovem e que mudaria de ideia. Outras mulheres que já tinham filhos foram encaminhadas para a cirurgia, mas eu não”, relata.
Após meses de tentativas frustradas, Fernanda desistiu e optou por métodos contraceptivos injetáveis. “Se eu tivesse pelo menos um filho, acho que não teriam dificultado tanto”, afirma.
Mudanças na legislação
A legislação brasileira sobre esterilização voluntária já passou por modificações ao longo dos anos. Originalmente, a Lei do Planejamento Familiar (Lei 9.263/1996) estipulava a idade mínima de 25 anos e exigia a autorização do cônjuge para a realização do procedimento. Em 2022, com a Lei 14.443, a idade mínima foi reduzida para 21 anos e a necessidade de consentimento do parceiro foi revogada. No entanto, a exigência de ao menos dois filhos vivos para menores de 21 anos permaneceu.
Agora, o STF pode decidir se reduzirá ainda mais essa idade mínima, garantindo que maiores de 18 anos tenham o direito de decidir sobre sua própria fertilidade. O resultado do julgamento pode ter um impacto significativo na política de planejamento familiar no Brasil.