A desinformação sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) aumentou de forma alarmante nos últimos seis anos, especialmente nas comunidades da América Latina e do Caribe no aplicativo de mensagens Telegram. De acordo com um estudo realizado pelo Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas e pela Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil), o volume de informações equivocadas sobre o autismo cresceu 150 vezes nesse período, com um pico de 635% de crescimento nos primeiros anos da pandemia de COVID-19.
O estudo, intitulado Desinformação sobre Autismo na América Latina e no Caribe, revelou que o número de postagens com desinformação sobre o autismo aumentou de forma exponencial. Em janeiro de 2019, eram registradas apenas quatro postagens mensais sobre o tema, número que saltou para 35 em janeiro de 2020, e atingiu um pico de 611 publicações mensais em janeiro de 2025, um aumento de 15.000%.
A pesquisa analisou mais de 58 milhões de conteúdos publicados entre 2015 e 2025 em 1.659 grupos conspiratórios sobre o autismo em 19 países da América Latina e do Caribe. Esses grupos, que somavam mais de 5 milhões de usuários, são frequentemente associados a movimentos antivacina e de negacionismo científico, como o terraplanismo e o negacionismo climático.
O Impacto da Pandemia na Desinformação
De acordo com Ergon Cugler, coordenador do estudo, a pandemia de COVID-19 teve um impacto significativo na disseminação da desinformação. “A crise sanitária gerou medo, incerteza e uma demanda por explicações, muitas vezes em ambientes de baixa confiança institucional”, explicou Cugler. O pesquisador observou que grupos inicialmente focados em temas como antivacina passaram a incorporar o autismo em suas narrativas conspiratórias, gerando um fluxo contínuo de teorias perigosas.
O estudo aponta que cerca de 47,3 mil mensagens publicadas nesses grupos continham informações falsas ou enganosas sobre o TEA, com o Brasil sendo o país com o maior volume de desinformação sobre o tema no continente. O país concentrou 46% do conteúdo conspiratório, com 22.007 postagens, que alcançaram cerca de 1,7 milhão de usuários e somaram quase 14 milhões de visualizações.
Falsas Causas e Curas do Autismo
Os grupos conspiratórios identificados no estudo espalham mais de 150 teorias falsas sobre as causas do autismo, incluindo radiação de redes 5G, vacinas, mudanças no campo magnético da Terra, consumo de produtos alimentícios como Doritos, e até teorias como os “chemtrails” (falsa crença de que rastros deixados por aviões seriam agentes químicos ou biológicos).
Além disso, as pesquisas revelaram mais de 150 “curas” falsas para o autismo, muitas delas baseadas em tratamentos ineficazes e perigosos. Produtos como dióxido de cloro, terapias alternativas e até cursos de “desparasitação” do intestino são promovidos como soluções milagrosas. Esses métodos são frequentemente defendidos por influenciadores e grupos que exploram financeiramente e emocionalmente as famílias de pessoas autistas.
A Exploração da Desinformação como Negócio
Guilherme de Almeida, coautor do estudo e presidente da Autistas Brasil, destacou a exploração do desespero das famílias por parte de indivíduos e grupos que lucram com a venda de soluções sem respaldo científico. “Muitas dessas ‘terapias’ são comercializadas pelos próprios autores das postagens, transformando o desespero de famílias em negócio”, afirmou Almeida, que também alertou sobre o uso instrumental da fé para promover curas espirituais e desencorajar tratamentos médicos adequados.
A desinformação sobre o autismo, segundo os pesquisadores, não está isolada, mas se articula com outros discursos, como os movimentos antivacina e o negacionismo científico. Cugler ressaltou que essas comunidades do Telegram utilizam estratégias sofisticadas para espalhar suas mensagens, como a criação de bolhas de reforço, onde as ideias circulam sem questionamento, e a exploração da linguagem científica para dar aparência de credibilidade.
Riscos e Consequências
A disseminação de desinformação sobre o autismo não é apenas um problema informacional, mas também um risco concreto à saúde pública. Almeida alerta que essa desinformação compromete diagnósticos precoces, atrasa o acesso a direitos, e favorece tratamentos ineficazes ou até perigosos, além de reforçar estigmas que isolam ainda mais as pessoas autistas.
“Essa desinformação gera riscos profundos e estruturais, não apenas para as pessoas autistas, mas para toda a sociedade, pois favorece práticas pseudocientíficas, desvia recursos e enfraquece políticas públicas sérias”, explicou Almeida.
Combatendo a Desinformação
Para combater essa crescente onda de desinformação, os pesquisadores defendem a implementação de políticas públicas mais eficazes voltadas ao autismo, além de ações de educação para fortalecer a capacidade crítica da população. Cugler também sugere a responsabilização de quem lucra com a desinformação e a exigência de uma postura mais responsável por parte das plataformas de redes sociais, como o Telegram, que deveria limitar a circulação de conteúdos prejudiciais à saúde pública.
O Telegram, por sua vez, não se manifestou sobre o estudo quando procurado
O que é o TEA?
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por dificuldades na comunicação e interação social, podendo envolver comportamentos repetitivos, interesses restritos e reações intensas a estímulos sensoriais. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), uma em cada 160 crianças no mundo tem TEA, embora estudos sugiram que esse número pode ser ainda maior. No Brasil, estima-se que cerca de 5,6 milhões de pessoas sejam diagnosticadas com o transtorno.
Fonte: Agência Brasil